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Foto do escritorAndre De Rose

Por que motivo chamam sarvāṅgāsana de posição da vela, se na Índia eles usam lamparinas?

Quais as nossas referências?

A literatura do yoga tem um vício que passa despercebido pela maior parte dos estudiosos no assunto, esse vício tem relação com a fonte de pesquisa de muitos escritores, que traduzem os nomes técnicos, baseando-se em livros escritos no início do século XX E.C., e como se não pudesse piorar, essa literatura consultada foi elaborada com base nos dicionários sânscritos produzidos no século XIX E.C. um dos mais famosos desse século ainda consultados é dicionário Monier-Williams.


Fé cega ou respeito a tradição?

Acontece que se passaram três séculos e continuamos usando a mesma fonte literária, na qual, uma geração inteira continua subordinada a uma sub-tradição, criada aqui mesmo no Brasil, onde, em nome dos ancestrais, deixamos de pesquisar a origem de uma informação, para simplesmente reproduzir e aceitar o que nos foi dito sem pensar. Os poucos que se atrevem a questionar, são chamados de ególatras sem humildade.


Contudo não se trata de se rebelar ou mesmo esquecer o respeito que se deve ter, por aqueles que desbravaram o yoga em terras tupiniquins. Devemos ter consideração pela bagagem dos mais experientes e inclusive, tomar muito cuidado com a forma que trazemos "novidades". Mas é pelo nosso compromisso com a verdade (satyam), que devemos sempre buscar as fontes pesquisadas, trazendo nova luz a tradição. Vejo muitas pessoas sem a menor gentileza, esquecendo o conceito de não agressão (ahiṃsā), sendo jocosos com aqueles que merecem nossa reverência, seja pela antiguidade, seja pelo papel dessas pessoas na história do yoga no país.

Portanto, sem querer faltar com o respeito com os colegas, peço que acompanhem o seguinte raciocínio.


A Índia não tem tradição de usar vela de cera.

Quem já viajou para lá, percebe que eles só usam um tipo lamparina a óleo (dīpa), parecida com a lâmpada de Aladim. Quem trouxe a vela de cera foram os católicos ocidentais.


Quem "matou" o sânscrito?

Apesar do que querem que acreditemos, o sânscrito não é uma língua morta, ela é considerada inclusive como uma das línguas oficiais da Índia, são milhões de falantes em todo o mundo, existem jornais, programas de rádio e até palavras novas como: calabhāṣa (celular), yantradvicakrikā (motocicleta), nisañga (computador), dūradarśana (televisão), e não podia faltar, drāvikaśalākā é o nome sânscrito usado para a vela de cera ocidental, como podem ver, muito diferente da palavra sarvāṅga. Por isso, quando me dizem que o sânscrito é uma língua morta eu faço cara de triste e digo: "ah que pena, morreu quando?"


À partir do momento que passei a dizer para as pessoas com argumentos sólidos que sarvāṅga não é vela, muitos para não aceitar que simplesmente cometeram um erro, começaram a emendar seus discursos, e contando com a ignorância alheia, falam que não passa de um engano dizendo: "não se trata na verdade da vela de cera, mas sim de vela de barco".


Se isso fosse dito há algumas poucas décadas atrás, creio que muita gente acreditaria. Contudo hoje, em pleno século XXI E.C., eu duvido muito que as pessoas aceitem isso, pois basta uma simples checagem em qualquer bom dicionário de sânscrito disponível na internet, e em segundos conferir na palma da mão, para ver que isso não se sustenta.


Consultando alguns dos principais dicionários achamos a palavra cālana para vela e naucālana, para vela de barco. Sendo que existe sim uma posição chamada de vela (cālanāsana), contudo é uma torção, não uma invertida. Novamente, cālana é bem diferente da palavra sarvāṅga, né?


Mas então, se não é vela de acender, nem tampouco vela de barco, sarvāṅgāsana significa o que?


Há algumas muitas teorias, uma delas, faz referência aos vedāṅgas que são seis disciplinas auxiliares na cultura védica que se desenvolveram nos tempos antigos (não confundir com os darśana) e que se relacionaram com o estudo dos Vedas, outra teoria vincula essa posição a uma árvore sagrada, a planta que produz o algodão ou o vegetal que prepara o Soma.


Contudo a referência mais provável, está associada ao povo de vāṅga, cujas características memoráveis, remetem a "posição" sarvāṅgāsana.

O primeiro motivo para associar essa posição aos vangaleses, está relacionado a tradução do termo, onde sarva significa “todos” e aṅga, um povo originário de vāṅga (atualmente conhecida como Bengal), sarvāṅgāsana portanto, traduzida e atualizada significa, a posição de todos os bengaleses. O interessante sobre isso é que essa região foi o refúgio de muitos yogis que acabaram influenciando o comportamento local. Segundo a origem mítica dos Nāthas associa a posição a conquista da morte. O movimento Nātha é originário da região que hoje em dia é conhecida como Bengala. Inclusive a tradição hindu faz referência a dois seguidores do nāthismo atribuindo a criação do texto Haṭha Yoga Pradīpikā à Gorakṣa-Nātha e seu mestre, Matsyendra-Nātha, ambos Bengaleses. Quem escreveu a obra entretanto, foi Svātmārāma. Muito pouco se sabe sobre o Svātmārāma real, mas o quarto śloka da Haṭha Yoga Pradīpikā atribui sua linhagem ao Nātha Sampradāya: “Svātmārāma aprendeu Haṭha Vidyā com Gorakṣa e Matsyendra” por esse motivo acredita-se que ele também era Bengalês.

Até mesmo o autor do poema que se tornou o hino nacional da Índia, Rabindranath Tagore, é um conhecido indivíduo desta cultura.


Nātha, significa senhor. O nāthismo é uma sub-tradição do Shaivismo dentro do hinduísmo. Um movimento da era medieval que combinou ideias das tradições do Shaivismo e yoga na Índia, no entanto, suas raízes estão em uma tradição Siddha muito mais antiga. Acredita-se que surgiram entre o século IIX e IX E.C. e sua literatura foi produzida até um pouco depois do século XI E.C.


Os Nāthas são um grupo que consideram Adinātha, ou Shiva, como seu primeiro senhor (Nātha) ou Guru, com listas variadas de mestres adicionais. Destes, o Matsyendra-Nātha do século IX ou X E.C. e as ideias e organizações desenvolvidas por Gorakṣa-Nātha são particularmente importantes.


Um aspecto notável da prática da tradição de Nātha tem sido seus refinamentos e uso do Yoga, particularmente a Haṭha Yoga Pradīpikā escrita por Svāmi Svātmārāma com o intuito transformar o corpo de alguém em um estado de sahaja siddha de identidade-auto-desperta com a realidade absoluta. Contudo esse texto deu origem ao mito de um estilo de yoga chamado, Haṭha Yoga, sendo esse apenas o nome do texto, não de um estilo particular de yoga chamado Háṭha.  Esse "erro" continua até os dias atuais, onde temos defesas de tese que carregam esse nome. Como por exemplo o Haṭha Yoga do Iyengar, o Haṭha Yoga do Sivānanda, o Haṭha Yoga do Krishnamacharya, e os mais recentes como variações de Haṭha Yoga: Power Yoga, Bikram Yoga etc.


Essa tradição foi particularmente importante para a criação de um estado mítico, onde pela primeira vez associam-se os cakras (chakras) a prática de yoga. Onde cada grupo tântrico utiliza um conjunto muito particular de cakras, usando cores, quantidades e formas, muito diferentes de escola para escola. Por exemplo, os Nāthas usam "apenas" 6.


Outra curiosidade dos bengaleses.

A palavra Bengala (Bengal) é derivada de Vāṅga usado em registros literários iniciais como o nome, tanto do país quanto das pessoas que a habitam.

A partir do termo Vāṅga originou várias outras palavras, com a adição de sufixos, tais como Vāṅgāl, Vāṅgāla, Bengal, Bhangala etc., os escritores muçulmanos e portugueses posteriores transformaram em Bangal e Bengala respectivamente.

Mas é na própria literatura que encontramos a explicação para a região ter esse nome, atesta-se no Mahabhārata e na literatura Purânica que o rei Bali não conseguia ter filhos. Então, ele pediu ao sábio, Dirghatamas, para abençoá-lo. O sábio disse que ele geraria cinco crianças através de sua esposa, a rainha Sudeshna. Os príncipes foram chamados Aṅga, Vāṅga, Kalinga , Sumha e Pundra. Os príncipes mais tarde fundaram reinos, o que nos interessa diretamente é o do príncipe Vāṅga que, por exemplo, funda Vāṅgal, na região onde atualmente é Bangladesh e parte de Bengala Ocidental (Bhagalpur e Monghyr em Bihar). Mais tarde o reino de Vāṅga  assimila o reino de Aṅga encontramos referência sobre isso no Sabhaparava do Mahabhārata (II.44.9) que menciona Aṅga e Vāṅga como um único país. O Katha-Sarit-Sagara também atesta que Vitankapur, uma cidade de Aṅga era situada no litoral. De fato, as fronteiras de Aṅga poderiam ser até ao mar no Leste. A capital de Aṅga era Campa, nome adotado por causa do Rio Campa (moderno Chandan) que formava as fronteiras entre Māgada no Oeste e Aṅga no Leste. Aṅga era dividida pelo rio Koshi no Norte. De acordo com o Mahabhārata, Duryodhana nomeou Karṇa como rei de Aṅga.


Vāṅgāla, tem como referência material mais antiga, os pratos de Nesari (datado de 805 d.e.c.) do rei Rastrakuta, Govinda III, onde o rei Dharmapāla é considerado o rei de Vāṅgāla. A referência a Vāṅgāla ocorre também em muitos outros registros epigráficos e literários datados entre o século XII e XIV E.C.


Encontramos referencias textuais ainda mais antigas aos Aṅga no Atharava Veda (V.22.14) onde eles são mencionados juntamente com os Māgadas, Gandaris e os Mujavatas, todos eles como povos que eram desprezados. Textos como o Garuḍa Purāṇa, Viṣṇu-Dharmottara, Markendeya Purāṇa também citam os Aṅgas e os Vāṅgas. Contudo apesar de todas essas referências ainda não oferecem uma ideia clara sobre sua localização exata, nem é possível decidir se aludiu a todo o país da Vāṅga ou a uma parte dela.


A história antiga de Bengala foi marcada principalmente pela base da dinastia Pāla sobre o meio do oitavo século E.C. após a morte de Sasānka, a administração de Bengala desabou completamente por desunião, desintegração política, conflitos internos e repetidas invasões estrangeiras que continuaram por quase um século. Vāṅgāl (Bengala) não tinha nenhum rei especifico. Kṣatriyas, pessoas ricas, brāhmaṇas e comerciantes começaram a governar sua própria área local de forma independente. Os sofrimentos das classes menos favorecidas eram intoleráveis. O nome que se dá em sânscrito a essa desigualdade é Matsyanyāya, onde os fracos eram torturados sem oposição. No entanto, eles de repente desenvolveram alguma sabedoria política e um espírito de auto sacrifício sem paralelo. Assim, "sem qualquer luta", chefes políticos reconheceram a soberania de um popular herói chamado Gopāla. Incentivados por pensamentos filosóficos originados dos Nāthas e muitos Yogis daquela época.


A história desse povo tem seu ápice quando Shivaji Bhosle (Chhatrapati Shivaji Maharaj) líder da resistência ao sultão de Bījapur, funda o império Marāṭhā estabelecendo um Hindavī Svarājya competente governo civil com a ajuda de suas tropas militares bem organizadas e disciplinadas, além de sólidas organizações administrativas. A prática de obter mulheres como espólios de guerra, destruição de monumentos religiosos, escravidão e conversão forçada religiosa foram fortemente combatidas em sua administração. 

Hindavī Svarājya (autogoverno hindu) é um termo para movimentos sociopolíticos que buscam remover as influências militares e políticas estrangeiras da Índia.


Sarvāṅgāsana é um emblema para os yogis dessa região sendo que muitas escolas utilizam até hoje essa referência.

Sarvāṅgāsana


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